Carta Pública do MNU Recôncavo sobre as Eleições da UFRB!
- MNU Recôncavo
- 11 de fev. de 2019
- 5 min de leitura

Nós do Movimento Negro Unificado, em sua seção regional, o MNU Recôncavo, parabenizamos a UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia por se tornar palco de um marco histórico, um fato sem precedentes na história do Brasil, a primeira eleição ao cargo máximo de uma IFES (Instituto Federal de Ensino Superior), à reitoria, encabeçada por dois candidatos negros (Drª Georgina Gonçalves dos Santos – Gina Gonçalves e Dr. José Fernandes de Melo Filho – Zé Fernandes). A UFRB, porém, já fez história em torno desse cargo em situações anteriores. Desde seu nascimento, possuiu um reitor negro (Dr. Paulo Gabriel Soledade Nacif, primeiro reitor da UFRB, de 2006 a 2015), e por já ter tido na eleição anterior (Eleições 2015 – 2019) uma chapa cujo nome para assumir o cargo de reitor(a) foi composta por uma mulher negra (Drª Ana Rita Santiago). A própria candidata à reitora nessa atual eleição, Drª Gina Gonçalves, é vice-reitora da atual gestão (2015 – 2019). Poderíamos citar um número expressivo de diretores(as) de centro e pró-reitores(as) que foram e são assumidamente pessoas negras. Muitos podem considerar esses eventos da UFRB como de pouca relevância ou mero detalhe, mas nós do MNU Recôncavo vemos nisso tudo uma história que está diretamente em consonância com o Recôncavo da Bahia, o território de identidade com a maior porcentagem de negros do Brasil e um dos maiores da Diáspora.
Partindo desse ponto, congratulamos a comunidade acadêmica e aos(às) candidatos(as) a coragem por fazerem parte dessa história, que todos nós temos construído ao longo de poucos anos de fundação, esse momento único na história do Ensino Superior do Brasil e talvez das Américas, com possivelmente a exceção, acreditamos, das universidades negras dos EUA. Se essa situação se manifesta (Uma eleição composta só por candidaturas negras) esta não é fruto do acaso e muito menos do puro “mérito” dos(as) candidatos(as), pois a muito tempo negros e negras extremamente competentes para assumir a função de reitor(a) já surgiram, mas há intransponíveis barreiras do racismo institucional os(as) impediram. Lembremos que, pelo racismo, um dos maiores nomes da história da geografia, o consagrado e mundialmente premiado Dr. Milton Santos, foi considerado ‘não bom o suficiente’ para assumir o cargo de ministro da Educação quando indicado. Quanto perdemos por não tê-lo à cuidar de tão cara pasta para nós? Em uma sociedade ainda tão racista quanto a nossa, racismo esse que se manifesta com tanta força desde a educação fundamental até nos processos seletivos para os programas de pós-graduação e as nomeações para gestores de nossas IFES? Assim sendo, no que se refere ao racismo dentro das universidades, estamos acumulando pequenas, mas marcantes vitórias nos últimos anos, o número de estudantes, servidores docentes e técnicos negros vem aumentando expressivamente se comparados a menos de duas décadas atrás, nesse mesmo tempo surgiram os primeiros reitores e reitoras negras do Brasil, ainda que continuem sendo tão poucos diante de uma população que representa mais de 50% desse país.
A longa luta do Movimento Negro dentro das universidades, resultando em políticas afirmativas, as cotas raciais em especial, vem desempenhando importante papel para a garantia da presença e do debate racial nas grandes instituições da ciência, além do surgimento de coletivos negros, estes se consolidando como espaços de acolhimento aos que adentram pela primeira vez em tais instituições e se veem tão perdidos já que a nossa cultura universitária é ambiente familiar e tradicional somente à parcela branca desse país. Se as Universidades já foram muitas vezes, e ainda em parte são, os lugares que legitimaram o racismo, desde as teses eugenistas/lombrosianas/darwinistas-sociais que afirmavam que pessoas negras eram um elo perdido entre macacos e brancos (tidos como o ‘topo’ da evolução humana), até absurdos mais recentes, como a afirmação de um geneticista vencedor do prêmio Nobel que defende abertamente a ideia de que negros são menos inteligentes. Denunciamos mais uma vez que há um enorme débito de responsabilidade dessas ‘cátedras do saber’, para reverter e combater seus crimes do passado e presente para conosco. Quanto essas teses, correntes-de-pensamento, doutores/doutoras causaram de dano e perdas para nosso povo? Não há como se calcular em números frios exatos, mas a pouca presença de pessoas negras na maioria esmagadora das IFES do terceiro pais com mais negros do mundo (somente perdendo para a Nigéria e Índia) só comprova que seus danos são longos e profundos. Reivindicamos que parte dessa dívida real, diante de tantos crimes que nesses ambientes ocorreram contra nós deve ser paga na obrigação de nós termos vez e voz, a nós que tanto fomos (e muitos ainda somos) vistos como meros objetos de pesquisa e ratos de laboratório de experimentos das mais diversas maneiras. Que negros deixem de serem somente vistos como serviçais, mas que se deixe de existir estranhamento com professores e dirigentes negros, e que estes tenham consciência que a luta está para muito além de suas vitórias particulares, que são herdeiros(as) de uma trajetória construída por muitas mãos, muitas dessas que nada colheram em vida para que nós hoje tenhamos na UFRB um cenário como este.
O MNU participou da fundação dessa universidade desde quando ainda era um tema de debate nas cidades, membros do MNU construíram e participaram das muitas audiências públicas. O relator do projeto de criação de nossa UFRB foi o então deputado federal Luiz Alberto, importante integrante da ‘bancada negra’ no congresso e liderança histórica da luta racial-sindical, quadro consagrado do MNU. Construímos junto à primeira gestão a implantação das cotas de inéditos 50% do total de vagas desde o início em 2006, o que se configurou como norma para todas as IFES através da Lei nº 12.711/2012. Participamos da criação das Cotas na Pós-Graduação da UFRB, auxiliando muitos estudantes quilombolas e indígenas para o acesso às bolsas e suas burocracias, na luta estudantil como uma das combatentes organizações, e mais recentemente fomos nós os proponentes do COPARC – Comitê de Acompanhamento de Políticas Afirmativas e Acesso à Reserva de Cotas, iniciada através da denúncia de fraudes (e que infelizmente uma única denúncia sequer foi apurada, os[as] fraudadores[as] muito menos jubilados[as] e processados[as]). O COPARC é responsável pela garantia de fiscalização daqueles que buscam acessar através das Cotas as vagas na graduação/pós-graduação e concursos públicos, e vem diminuindo expressivamente o número de fraudes, garantindo assim que estas vagas sejam ocupadas de fato por pessoas a quem elas foram destinadas.
Compreendendo a responsabilidade que o MNU tem para com essa universidade, para uma eleição qualificada sobre assuntos de extrema importância e interesse do Povo Negro, tornamos público nosso pedido junto às Duas Chapas (#JuntosPelaUFRB e #ZeFernandesReitor) e à Comissão Eleitoral deste processo seletivo para que possa ser garantido um espaço próprio construído em conjunto a essa Comissão Eleitoral. Um Debate Público específico sobre temas relacionados a Raça / Povo Negro / Território do Recôncavo / Políticas Afirmativas, e que esse espaço seja incluso dentro do calendário oficial dessa eleição. Nós, UFRB, temos uma comunidade universitária composta por mais de 70% de pessoas negras e isso nos faz únicos, especiais, e infelizmente também, os mais suscetíveis a efeitos danosos diante de possíveis retrocessos contra vitórias que a tanto custo conquistamos.
Talvez mais do que nunca, pelo contexto externo e interno, o tema racial se mostra tão urgente e importante para todos nós. A coragem para debater sobre nós diretamente, sem meio-termo, sem sermos mero ‘recorte’ dentro de categorias já clássicas a predominar nos espaços universitários. Nós anunciamos, assim, que queremos que nossas vozes, pautas e visões de mundo sejam escutadas e propostas debatidas sobre uma ótica centrada no perfil negro que compõem a maioria da comunidade dessa universidade e do território que ela faz parte. Se a UFRB é do Recôncavo, e o Recôncavo é Negro, que o Povo Negro diga o que quer ‘cara-a-cara’ a essas candidaturas negras, para que possamos construir de fato também um projeto de gestão em que o(a) negro(a) seja incluso(a) e não mero discurso circunstancial eleitoresco! E o MNU Recôncavo não se furta de trazer essas questões fundamentais ao centro do debate para a escolha da próxima gestão de nossa universidade! Segue o arquivo em pdf: https://drive.google.com/file/d/1zdDYBlr9N4Tc1fF6PW4YgDfkJLZU_q2T/view?usp=sharing
11 de Fevereiro de 2019, Cachoeira/BA








Comentários